sábado, 12 de junho de 2010

CARTAS CHILENAS - AINDA HOJE PODEMOS USÁ-LAS

Carta 1 Em que se descreve o retorno ao Chile


Salve, Beneplácido, Eureste é quem lhe chama
A contar-lhe das cousas que eu vi em outras terras
Que desde que parti para a tão longínqua Grécia
Eu dou-lhe testemunho do quanto foi mudado.
Espero um dia ainda rever os teus trabalhos
Agora que aportei nesta secular cidade
Que outrora fora centro de trágicas comédias.
Eu sei que após as lutas ainda ressurgiram
Uns bravos lutadores, mas que são deles hoje?
Tornaram-se escudo, imagem de mercado
De tantos qu’inda querem vender falsos pretextos
Assumem altos postos tal qual antigamente
Discípulos que são, fieis ao Fanfarrão
Que tendo tudo à mão, as trocam pelos pés
Ainda quando não, simplesmente nada fazem
Ou melhor digo, fazem, somente o que interessa
Aos olhos e às panças, que cheias d’ouro estão
As abotoaduras se espremem em louco esforço
E por bem pouco as formas não lhes rasgam as ceroulas
Que se assemelham mais a porcos bem alimentados
Que a magistrados sérios preocupados com o povo.

Sou eu quem lhe escrevo, meu caro Beneplácido
Aquele que sonhava um dia ver a liberdade
Encontro agora todos a sofrer o cativeiro
Que distinção não faz, de cor, de nome nem de idade
Somente duas classes formam a sociedade
De um lados os escravos em desânimo desfeitos
Do outro os que restaram, que são os opressores
Mas longe de mim, digo, ser um desses tão falantes
Que esperam o momento certo de suas badernas
Escondem seu propósito caótico em discursos
Nos quais defendem lutas de justiça e igualdade
Que todos (me parece) só querem a fartura
Sem prestimar valores ao mais nobre sentimento.
Ainda muito tenho a falar deste retorno
Principio apenas tento colocar-lhe a par de tudo
De todas semelhanças que encontrei a cá no Chile
Aquelas velhas terras de Critilo e Doroteu
E queira Deus, quem sabe, tenha eu tanto cuidado
Tal qual um dia teve nosso amigo a escrever
Pois hoje o desgoverno ultrapassou tantas fronteiras
Que Santiago é pouca para caber tanta baderna.
Que em uma avalanche, tal qual vários gafanhotos
Surgiram alguns tipos bem diversos, mas iguais
Naquilo a qual os une e ao mesmo tempo os conflita
São estes que se alternam sob a profissão política
A governar o Chile, ora um ora outros vem
Carregam seus discursos, inocentes ovelhinhas
Enquanto o lobo oculto trama a força do poder
E até o visseconde deu as caras por aqui
Ocupa atualmente o posto qual outrora fora
Ainda que ignore seu passado nestas terras.

E como podes ver pouca coisa então mudou
Do tempo em que havia ouro e vastos diamantes
Mas infortúnio meu, todos vós estão distantes
Apenas tento, ao longe, remeter estas missivas
Na esperança vã de que em tão más escritas linhas
Eu possa ser fiel à imagem a qual convivo
Desta nova republica, nascida em solo andino.

Grande mudança teve, esta sim foi no tamanho
Não só do território, mas também da roubalheira
Acaso acreditas, caminhei a tarde inteira
A deslocar-me de um ponto a outro na cidade.
E por ter aumentado este espaço território
Progresso abre os braços, surgem carros confortáveis
E algumas conduções, gaiolas populares
Que em sua maioria não atendem bem ao povo
Fiquei a esperar, bons minutos em um ponto
Aonde passaria tão falado carro grande
Que sucessor tornou-se de antigo carro bonde
Mas qual, levou-se um tempo esticado e impaciente
E quando veio, o susto, aglomera sua entrada
Famoso carro grande, todos querem desfrutá-lo
E tal como um gado carregado entre apertos
Segui por um caminho tortuoso e esburacado
E ainda lhe oculto alguns outros mais detalhes
Tamanho desconforto me obrigou a tal viagem
Na qual eu via os carros como ferozes metais
Vorazes, destruindo o que lhes causou barreiras
Ou lentos, reunidos esperando uma passagem.
Saudoso tempo calmo de cavalos e carroças !
Não digo estas coisas no intuito de atiçar-lhe
Somente conto dessas minhas novas aventuras
Que nem lhe falei’inda que esse ônibus é pago
Também por se saber que este então, assim chamado
De publico transporte não é mais do que privado
E o preço da viagem não compensa o nosso aperto
Se ainda há quem o pegue é só por necessidade.
Entre outras cousas, conto, nova lei rege as cabeças
A criminalidade hoje é quase permitida
E as negociações que maior fruto rende aos bolsos
São tráficos de drogas e até dinheiro desviado
Reforma de imóveis mais os gastos do governo
Estradas, pontes, casas, verbas, planos populares
Qualquer seja o ensejo, conta-se o faturamento
No superfaturado, cofres públicos roubados.
Sonhar é algo quase esquecido pelos parias
Aqueles que carregam pedra às costas sol a sol
E para amenizar tamanha publica apatia
Cachaça e cerveja descem às goelas, tal rios
Projetos são desfeitos em enormes dividendos
De quem acreditava e em altos juros sucumbiu
Por que o capital saiu das ruas, virtual
Caminha pelas bolsas, desvalores financeiros
Sobrando aos populares uma fuga soberana
A vaga esperança em uma luz distante e fria
Que fez desse país grande cassino, aberta a porta
De toda ilusão de se ganhar na loteria.
É este o sonho semanal que morre e renasce
Que surge que ressurge, e vai e volta, e nunca muda
Tornou-se único sonho permitido nestas ruas
Ou vive deste jeito, trabalhando sem ter frutos
Ou vira-se político, este grande cargo publico
De altos rendimentos e auxílio a qualquer custo
De longas folgas brandas e imensas regalias.
Ah, quão felizes são estes homens da política!
Pois saiba, quem trabalha ( e o emprego é coisa rara)
Mal tem o seu Domingo, quase não tem feriado
Recebe pouca coisa, paga muito e vai calado
Que é melhor o pouco que absolutamente nada.
E destes que trabalham nem as férias são completas
De acordo em acordo já não chega em um mês
Enquanto os felizardos deputados bem pautados
Desfrutam folga a folga não em um mês, mas em três.
Ah quão felizes são os pautados deputados!
Que ainda não lhes veio braço da dignidade
E agora soberanos, seguem sendo comandados
Por um tenente o qual lhes afina o objetivo
É este hoje famoso e odiado Papadreco
Do qual feliz serei se acaso puder lhe dizer.
E ainda não lhe disse da atual democracia
Mas este é outro ponto delicado em nossos dias
E que com tempo e calma lhe direi em outra carta
Se ainda me sobrarem tempo, papeis e tintas.

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